Numa entrevista recente, Rui Costa, o atual diretor desportivo do Benfica e um dos maiores futebolistas portugueses de todos os tempos referia-se assim à forma como muitos pais olham para a formação no futebol: “a maior parte quer, mais do que os filhos, que eles sejam jogadores. Têm uma forma errada de contribuir para o sucesso do próprio filho. É quase uma obrigação que o filho seja o que o pai não foi.” Em conclusão pode-se dizer que os pais são os principais “inimigos” dos filhos porque nem todos serão algum dia futebolistas profissionais quanto mais futebolistas de topo. Tanta pressão acaba, muitas vezes, por deitar tudo a perder e impede os miúdos de se concentrarem no essencial que é divertirem-se.
Mesmo assim, a formação é a menina dos olhos do futebol português e talvez um dos seus capítulos de maior sucesso. Como é possível que um país que tem apenas dez milhões de habitantes, mais quatro ou cinco milhões que vivem um pouco por todo o mundo, consiga ter tanto jogador de qualidade e tantas Bolas de Ouro? A única resposta objetiva que tenho para esta questão é a de que o português tem um talento natural para jogar à bola e que o trabalho que os clubes fazem – dos mais pequenos aos maiores – consegue burilar os muitos diamantes que vão nascendo um pouco por todo o lado. São raros os jogos da primeira e da segunda liga que não têm nas bancadas olheiros de empresários e de clubes europeus à procura do próximo Eusébio, Figo ou Ronaldo.
Esta formação que procura encontrar jogadores de top entre os jovens portugueses leva a que alguns dos principais empresários do mundo sejam portugueses. Nomes como Jorge Mendes, ou Carlos Gonçalves estão entre os melhores deste negócio que faz do nosso país um dos mais apetecíveis a nível mundial. Se repararem há portugueses nos principais clubes mundiais: Ronaldo e Pepe jogam no Real Madrid; André Gomes no Barcelona; Renato Sanches, no Bayern de Munique; Bernardo Silva e João Moutinho, no Mónaco; João Mário, no Inter de Milão; Ricardo Quaresma, no Besiktas, José Fonte, no West Ham e Cédric, no Southampton, isto para falar apenas de alguns que foram campeões europeus no verão passado em França. Comum a todos terem sido formados ou acabados de formar no futebol português e nas academias dos clubes lusos.
Mas tão ou mais importante do que formar jogadores de nível europeu ou mundial – nem cinco por cento deles conseguem ser profissionais de futebol quanto mais jogadores de top – é formar homens e mulheres de qualidade. Transmitir os valores da camaradagem, da solidariedade, do trabalhar em conjunto para o bem comum e isso é outra forma de fazer formação. Talvez a mais importante. É por isso que volto às palavras iniciais de Rui Costa. Era bom que os pais deixassem os miúdos e as miúdas divertirem-se. Apenas isso. Que os deixassem jogar à bola pelo simples prazer de dar uns chutos na dita cuja, sem a preocupação de a saber controlar ou de fazer um passe em condições. Ou seja, que a formação servisse acima de tudo para os tirar do sofá e da frente de um ecrã – onde passam tempos infinitos – para brincarem com outros meninos. Foi assim que há mais de quarenta anos aprendi alguns dos valores que continuam a nortear a minha vida. Eu que, confesso, não tinha jeitinho nenhum para dar um pontapé na bola.