Entrevista de Joaquim Gouveia
O padre Jorge Almeida é pároco na comunidade do Samouco, há mais de seis anos. No início do mês de fevereiro foi homenageado pela Câmara Municipal de Alcochete e pela Junta de Freguesia do Samouco, pelos bons serviços prestados àquela paróquia. No entanto o pároco não reconhece em si méritos para tal distinção. É um padre com larga experiencia no oficio e opinião aprumada sobre vários temas da nossa sociedade. Sente que a Igreja deve levar o Evangelho aos seus fiéis e não se fechar em si própria. Pensa que o Papa Francisco é um outro Cristo, na Terra e acredita, tal como o Sumo Pontífice que estamos a viver a terceira guerra mundial aos pedacinhos. Revela-se contra a Eutanásia e a favor dos cuidados paliativos. Sobre os refugiados pede dignidade e paz e quando instado a falar sobre a sua comunidade diz que atravessou tempos muito difíceis quando a crise e a Troika, se cruzaram. Uma entrevista plena de atualidade com um interlocutor inteligente, dono da sua palavra e, sobretudo evangelizador.
Setúbal Revista – O padre Jorge Almeida foi recentemente homenageado pela Câmara Municipal de Alcochete e pela Junta de Freguesia do Samouco, pelos serviços prestados à sua paróquia. Tratou-se de um gesto de boa vontade dos Homens para consigo?
Padre Jorge Almeida – Penso que sim porque não reconheço em mim qualidades para tal homenagem. Aprendi com o atual Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que foi meu professor e é meu amigo, que um padre tem que ser como o cimento na construção, isto é, ter que estar para unir sem se ver. Importa realçar o valor das pessoas que comigo fazem esta comunidade. Procurei evitar que a homenagem se fizesse mas acabei por ceder porque senti que poderia ser uma ofensa à própria comunidade o facto de eu não a aceitar.
SR – Como carateriza a paróquia do Samouco?
Pde. JA – É composta por gente muito boa com grande respeito para comigo, de pessoas simples e de uma fé profunda com quem dá gosto trabalhar. É uma paróquia tranquila de muito respeito. Sinto-me aqui como se estivesse na minha terra.
SR – Os jovens comparecem na sua igreja?
Pde. JA – Temos um agrupamento de escuteiros do ar em virtude de termos aqui muito próximo a Base Aérea do Montijo. Os jovens do Samouco estão envolvidos nos escuteiros, na catequese e na banda de música. Direi, no entanto, que não existe um grande envolvimento mas acabamos por chegar aos jovens por via do nosso trabalho na comunidade.
SR – Que deveres sente que deve manter no exercício de pároco na comunidade?
Pde. JA – O acolhimento, a colaboração com as forças vivas da terra, o apoio aos mais carenciados e formação humana e espiritual das pessoas. Também o respeito, a dedicação e a aproximação com a comunidade onde estou inserido.
SR – De um modo geral a Igreja tem conseguido reunir novos fiéis ou, pelo contrário existe ainda muito trabalho por fazer nessa matéria?
Pde. JA – O atual Papa fala disso mesmo, que os padres têm que se misturar com o seu rebanho sentindo as suas aflições e as suas esperanças. Penso que há ainda muito trabalho para fazer ainda mais quando o mundo está à procura de uma nova ordem, de uma nova identidade. Hoje vivemos nos tempos do consumismo e da competição e é normal que leve, sobretudo, os mais jovens a colocar de lado os valores religiosos. Cabe-nos a nós, padres, intervir junto de todos, até nas periferias. Temos que ser uma Igreja atenta e com saída. Vivemos, também, tempos de hedonismo à procura do prazer a qualquer preço e sem responsabilidade. Temos que levar a alegria do Evangelho para iluminar a vida das pessoas reforçando os valores da família e da transcendência, os valores morais e sociais. Nem só de pão vive o Homem!…
SR – Portugal prepara-se para receber as cerimónias dos 100 anos das aparições de Fátima. De que forma deve a Igreja portuguesa aproveitar o momento para se reorganizar?
Pde. JA – Cristo e a sua mensagem são intemporais. Por isso a necessidade de Deus é a mesma de sempre que é a abertura à transcendência de que atrás falei e à sua própria procura. Mas isto nem sempre se faz pelo caminho certo. As pessoas comparam as criaturas ao criador. A Igreja diagnostica muito bem a nossa sociedade. O tratamento também está encontrado. Falta descer ao terreno e colocar em prática esse tratamento que no fundo são as soluções e que passam sempre por uma Igreja que não se reduz à sacristia mas que vai ao encontro das aspirações do Homem. A Igreja, não se pode fechar em si mesma, tem que se abrir para frutificar sendo o sal e o fermento do nosso mundo. A Igreja portuguesa tem que se abrir cada vez mais à sociedade pela ação sóciocaritativa. Não se pode pregar em barrigas vazias.
SR – Que pensa do Papa Francisco?
Pde. JA – É um verdadeiro pastor, um outro Cristo na Terra pelo seu desprendimento e aproximação. Vive na simplicidade e isso cativa. Transmite a riqueza do Evangelho na pobreza de uma vida pacata e humilde procurando chegar a todos. É um exemplo para toda a Igreja.
SR – Qual a grande mensagem deste Papa?
Pde. JA – Viver a alegria do Evangelho com um coração misericordioso fazendo sentir a cada pessoa que é amada por Deus, com todas as consequências que isso implica a nível humano e de fé, mormente a dignidade que deve ser respeitada.
SR – Relativamente a um tema tão delicado como a Eutanásia tem uma visão dentro dos valores da sua Igreja?
Pde. JA – A vida deve ser preservada desde a sua conceção até à morte natural. Sou pelos cuidados paliativos. Não sou pelo encarniçamento, nem pela Eutanásia. A vida só Deus pode dar e tirar!
SR – De que forma observou, acolheu e interveio na sua comunidade paroquial nos anos da crise ensombrados pela Troika?
Pde. JA – Foram anos terríveis. Nós acudimos através da criação de um grupo sóciocaritativo que se tornou independente e pode acolher a mais pessoas. A apanha da ameijoa vai continuando a ser uma enorme fonte de rendimento para muitas famílias, o que evita que as pessoas caiam numa situação de pobreza mais pronunciada. Contamos, também, com o apoio do Banco Alimentar. No entanto temos famílias com a vida ainda muito complicada. A desagregação económica leva à desagregação moral e familiar.
SR – Que opinião tem sobre os refugiados?
Pde. JA – São seres humanos que merecem respeito e a quem deve ser dada a oportunidade de viver com dignidade e em paz. Sofrem muito com privações de toda a ordem. Como diz o Papa Francisco, estamos perante uma terceira guerra mundial aos pedacinhos.
SR – Que mensagem quer deixar à comunidade católica?
Pde. JA – Que vivam e testemunhem a fé que professam no concreto do dia a dia partilhando as angústias e esperanças de cada ser humano e, sobretudo, envolvendo-se nas causas sociais. Temos que viver a fé, viver no que se acredita. O cristianismo é mais uma prática que uma teoria. Deus quer o bem de todo o Homem.