Entrevista Joaquim Gouveia
João Duarte Vitor é um dos atores do Teatro de Animação de Setúbal. Figura bem conhecida dos écrans tem participações várias em telenovelas e séries televisivas. Aceitou a direção do TAS, após a morte de Carlos César, para dar sustentabilidade à companhia. Acredita no teatro de descentralização mas clama mais fundos para a cultura nacional. Adotou a cidade de Alcochete para viver e diz estar amplamente satisfeito com a sua escolha. Tem muito trabalho pela frente e quer manter a forma física e mental para continuar a dar de si com a qualidade que todos lhe reconhecemos. Na primeira pessoa revela-se um homem simples no trato mas exigente nas escolhas da sua profissão.
Setúbal Revista – Que recordações guardas do teu início de carreira?
João Duarte Vitor – As recordações são tantas que resumo aqui como memórias de vivências riquíssimas num período crucial na minha formação como pessoa e artista. Tive a sorte e o prazer de iniciar o caminho ao lado de grandes mestres de teatro e aprender com eles muito do que sei no teatro e na vida. Na verdade tive a educação/formação “sensível” fundamental na construção do carácter e no desenvolvimento pessoal. À família e aos meus amigos incondicionais devo o apoio, o carinho e as palmas em todas os momentos da minha carreira. Estas memórias fazem-me sorrir e acreditar que as futuras serão ainda melhores.
SR – Sentes que tens uma carreira conquistada a pulso?
JDV – Investi sempre na formação profissional e académica como edificação estruturante da minha carreira e fi-lo sempre com paixão. Tive que ultrapassar preconceitos e lugares comuns instalados desde sempre na sociedade portuguesa relativamente ao teatro e aos seus fazedores. Além do que a profissão exige, temos que estar bem preparados para contornar as dificuldades e as vicissitudes conjunturais num país que pouco investe na cultura e não valoriza o trabalho artístico. Ser profissional de teatro é também ter a convicção que nada se transforma sem esforço e criatividade.
SR – Quando o Carlos César morreu temeste, de alguma forma, pelo teu futuro no teatro?
JDV – Não. Temi pelo futuro do TAS. Por isso, após a sua morte, aceitei dirigir a companhia durante cinco anos ao lado do saudoso Manel Bola. Nessa altura, a minha carreira atravessava um bom momento com muito trabalho em televisão ao ponto de ter suspendido o meu trabalho como professor durante mais de três anos e de participar apenas em alguns espetáculos do TAS. Com o desaparecimento de Carlos César regressei para ajudar o TAS a continuar em frente o que me obrigou a abandonar uma carreira artística de projeção nacional. Sem arrependimentos.
SR – Continuas a acreditar no teatro descentralizado? É possível estar longe de Lisboa, sem subsidiodependência?
JDV – Acredito que todos devem ter acesso à fruição artística e cultural. Hoje em dia os equipamentos culturais edificados e dinamizados pelo poder local permitem uma maior circulação de companhias e projetos teatrais. Mas é fixando as unidades de produção artística nas regiões que se alarga o espetro cultural e artístico, sobretudo junto das populações que estão longe dos grandes centros urbanos onde se realizam a maior parte das iniciativas de carácter teatral.
SR – As telenovelas e séries televisivas são o garante do ganha-pão para muitos atores. De acordo?
JDV – Para os que vivem da oportunidade e do sucesso fácil, sim. Mas os atores vivem do seu trabalho independentemente do contexto em que o fazem. A representação no teatro, na televisão ou no cinema exige a mesma preparação, o mesmo esforço e o mesmo empenho. O seu impacto junto do público é que difere conforme a linguagem e os meios utilizados. Na ficção televisiva quando não pertencemos ao grupo restrito de elencos fixos tornamo-nos numa espécie de “atores-táxi” com prestações esporádicas nesta ou naquela telenovela ou série. Podemos ter mais visibilidade e mais dinheiro para gastar, mas nem sempre o nosso trabalho sai mais dignificado. Se tivermos apenas em vista o “ganha-pão” corremos o risco de cairmos depressa na mediania e a seguir no esquecimento.
SR – Digamos que as telenovelas acabam por ser um mal menor. Existe hoje uma escola de atores para televisão?
JDV – As telenovelas são narrativas criadas para o grande público como um produto que se consome e deita fora. Mas algumas delas conseguem, de alguma forma, fugir ou disfarçar esta lógica mercantilista e apresentar um trabalho de qualidade artística assinalável. Isso acontece quando há bom “script”, boa realização, bons “decors”, bons figurinos e, sobretudo, boas interpretações. Hoje em dia temos escolas públicas e privadas na área do audiovisual que asseguram a preparação de bons profissionais para as exigências de uma ficção de qualidade. A representação para televisão não foge à regra e as qualificações técnicas e artísticas passam, desde há vários anos, por disciplinas específicas na formação académica e profissional.
SR – Que opinião tens sobre o Governo “geringonça”? Acreditas que a cultura e as artes poderão sair beneficiadas com as novas políticas?
JDV – A maior parte dos governos pós revolução foram geringonças, ou seja, governaram sozinhos com acordos pontuais umas vezes à esquerda outras vezes à direita. Este não foge à regra. Tem havido acordos pontuais para repor o estado social que o governo anterior fragilizou e que nos deixou reféns de uma dívida que dificilmente será paga algum dia. Mas é preciso ir mais longe. Acredito que o bom senso prevalecerá e que saberemos resgatar o país dos interesses económicos poderosos e desmedidos, valorizando o trabalho e restituindo a dignidade aos cidadãos. Quanto às políticas para a cultura, não sei se são novas ou velhas porque, na verdade, não as conheço e se as há não se fazem sentir. Recuperou-se o Ministério da Cultura, mas continua a faltar uma política pública de cultura clara, transparente e determinada. Cabe ao governo preocupar-se em assegurar as condições para que todos tenham acesso à cultura mas, paradoxalmente, estamos cada vez mais longe do 1% do PIB, que outros países europeus investem no seu património artístico, cultural e humano. Falta a vontade política dos governos e a mudança profunda de mentalidades para uma aposta na cidadania mais crítica, informada e participativa.
SR – O que é que um homem de setúbal faz em Alcochete?
JDV – Na verdade foram razões de ordem pessoal e profissional. A necessidade de estar mais próximo de Lisboa para trabalhar em televisão e concluir o mestrado em Educação Artística, levou-me a fixar-me em Alcochete, uma vila de grandes tradições e com uma qualidade de vida assinalável. Sinto-me bem nesta comunidade que acolhe toda a gente com cordialidade e simpatia. Vivo perto das salinas, agora reserva natural, do Fórum Cultural e tenho como horizonte Lisboa e o rio Tejo. Um verdadeiro privilégio.
SR – Ao lado de Carlos César, no tas, tiveste papéis de grande destaque em peças como, “O pai tirano”, “O gato”, “À coca”, entre outras. Como te defines como ator?
JDV – Simples. Um ator em construção. Depois de 40 anos de teatro é o que realmente sou.
SR – Que papel te falta interpretar?
JDV – São tantos que não consigo enumerar. As personagens seduzem, prendem e abandonam. São como nós, frágeis, delicadas e atormentadas. São feitas da mesma matéria humana, fazem-nos rir tristemente. Esperam por um milagre como Pozzo, Lucky, Vladimir ou Estragon, em “À Espera de Godot” de Samuel Beckett. Talvez sejam personagens como estas que me faltam interpretar. Personagens em construção à procura da razão e da simplicidade das coisas.
SR – Como sentiste o encerramento da Cornucópia?
JDV – É lamentável sempre que encerra uma companhia de teatro e nos últimos anos foram várias. A Cornucópia, que foi e continuará a ser uma referência incontornável na história do teatro em Portugal, desaparece por incúria dos últimos governos que por um economicismo bacoco penalizaram o teatro e os seus criadores. São histórias que se repetem, que esvaziam a nossa identidade e nos tornam mais pobres. Não deixamos de ser o Portugal dos pequeninos, uma espécie de “Portugalinho”.
SR – Acreditas no futuro do TAS?
JDV – Acredito. O teatro tem uma longa tradição na cidade de Setúbal onde o TAS, se mantém com o apoio e o carinho de todos os munícipes. É uma companhia profissional com atores residentes o que tem sido fundamental para a sua continuidade. Venceu e contornou todas as dificuldades ao longo de 40 anos pela perseverança e pelo talento dos que ali trabalham. Formou atores e técnicos de referência, alguns conhecidos pelo protagonismo na ficção televisiva e outros pelo trabalho artístico de grande qualidade que realizam noutras companhias de teatro. O TAS tem futuro, basta que mantenha o propósito para o qual foi criado: apresentar, divulgar e desenvolver o teatro junto do grande público e dignificar o património cultural e humano da cidade de Setúbal.
SR – Que projetos para o futuro?
JDV – Dentro dos novos projetos do TAS, volto aos palcos em Março, mês do Teatro, na peça “Fuga” de Rui Zink. Na televisão continuarei com participações pontuais nas novelas “Amor Maior” e “Espelho d’ Água” e nas séries “Ministério do Tempo” e “Alice”. No cinema, participo em “Studio 109”, uma “curta” internacional realizada e produzida por jovens de vários países dentro do programa Erasmos, a convite dos alunos finalistas da licenciatura em Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da Lusófona. Entretanto espero, ainda este ano, iniciar o último ciclo de estudos com o doutoramento em Estudos de Teatro.
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