Museu da Música Mecânica Dos mais completos do mundo

Entrevista de Joaquim Gouveia

 

Cerca de 600 peças constituem o espólio do Museu da Música Mecânica inaugurado há cerca de três meses por Marcelo Rebelo de Sousa, na localidade de Arraiados, Venda do Alcaide, concelho de Palmela. Trata-se da coleção particular de Luís Cangueiro que adquiriu a sua primeira máquina em 1987. Fascinado com a aquisição contatou antiquários, frequentou leilões e até pela internet foi adquirindo novas peças depois de perceber o encanto que as máquinas de reprodução de música mecânica provocavam nas pessoas. Hoje detém, talvez, o mais completo museu do mundo no género uma vez que reúne toda a tipologia de peças. “Setúbal Revista” visitou este museu e conversou com o seu proprietário que explicou quês e porquês de um local cuja visita se recomenda vivamente.

 

Setúbal Revista – Como é que nasceu a ideia da construção deste museu?

Luís Cangueiro – Nasceu do facto de ter atingido um número muito significativo de peças que comecei a colecionar em 1987. Em 2005 comecei a realizar exposições em locais públicos de que é exemplo a Igreja de Santiago, em Palmela, onde decorreu a primeira e depois passei pelo Museu da Música Portuguesa, no Estoril, por Trás-os-Montes e diversos outros locais do país. Apercebi-me que não existia grande conhecimento por parte do público relativamente a estas peças. Percebi que as pessoas se encantavam a vê-las e a ouvi-las. Daí que sentisse a necessidade de colocar á disposição peças tão importantes do séc. XIX e princípios do séc. XX, sob o ponto de vista cultural. Repare que naquela altura era a única forma das pessoas ouvirem música sem ser através de um instrumentista.

SR – Como despertou para o interesse em colecionar este tipo de máquinas de reprodução mecânica?

LC – Costumo dizer que nasci numa casa de Miranda do Douro e aos sete anos descobri uma caixa de música de cartão perfurado. Dei à manivela e aderi aos sons maravilhosos que emanava. Como era muito curioso tentei perceber como funcionava o interior da máquina. Desmontei-a de tal forma que acabei por destruí-la. Mais tarde, já homem, em 1987 apercebi-me que estas peças, de quando em vez íam aos leilões. Ao mesmo tempo tomei contacto com antiquários, nomeadamente em Paris, que adquiriam este tipo de peças. Através de várias leituras descobri que este mundo da música mecânica era desconhecido do grande público. A partir daí entusiasmei-me e fui adquirindo peça após peça um pouco por todo o mundo. Através de antiquários, leilões e mais recentemente pela internet. Tenho peças oriundas da Suíça, França, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Itália, Japão, Rússia, etc..

SR – Quantas peças calcula que tenha neste museu?

LC – Tenho cerca de seiscentas peças todas em funcionamento. No fundo não exigem uma manutenção frequente embora tivesse, numa ou noutra altura, de mandar restaurar algumas no nosso país. As outras são restauradas na Suíça, ou na França. Para além das máquinas tenho milhares de fonogramas que se distribuem em rolos para pianolas, bandas de cartão perfurado, discos de cartão perfurado, discos metálicos e cilindros para fonógrafos. Tenho uma coleção de música portuguesa em discos de setenta e oito rotações por minuto que anda na ordem das duas mil unidades. Possuo, ainda, uma biblioteca com quase duzentos livros sobre esta temática e que estão a ser utilizados por uma aluna que defende uma tese de mestrado sobre a minha coleção e sobre este museu.

SR – Que tipo de público visita o seu museu?

LC – Abrimos apenas há três meses e verificamos que vem o público em geral, grupos de universidades seniores, grupos de amigos, lares de idosos e as escolas. Nesta altura sentimos uma procura mais intensiva de marcações para escolas não só do nosso distrito mas também de Lisboa. Temos, também, realizado alguns aniversários. É um momento muito particular para as crianças que têm oportunidade de manusear e conviver com peças próprias para a sua idade e que foram utilizadas há cem anos, por exemplo.

SR – A inauguração do museu contou com a presença do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa…

LC – É verdade. Em 2008 pedi-lhe para prefaciar um dos meus livros da coleção “Fonógrafos e gramofones”. Portanto, a partir daí ele tomou contato com a minha coleção de peças. Quando inaugurei o museu dirigi-lhe o convite que ele aceitou de pronto porque percebeu a importância do acontecimento. No fundo, trata-se de uma iniciativa privada mas ao serviço do país e do grande público em geral. O Presidente disse-me que se tratava de um museu musical, tecnológico e sentimental, palavras suas. Este é um museu interativo que apresenta toda a parte tecnológica da peça sendo um dos museus mais completos do mundo porque tem todas as tipologias. Para além disso é na verdade também sentimental porque estamos a ouvir o que os nossos antepassados também ouviram há cem anos.

SR – Construiu o seu museu no campo fugindo aos centros populacionais. Certamente haverá uma razão que explique tal decisão…

LC – Sim. Fi-lo por duas razões. A primeira porque tinha as melhores condições para aqui construir o museu porque a propriedade é minha. Depois este espaço está perto de tudo, a meia hora de Lisboa e a sete minutos da portagem de Palmela. Entendo que é necessário que a cultura seja descentralizada. A visita ao museu pode, também, ser entendida como um passeio a uma área rural, campestre em contraste com as grandes cidades. E as pessoas percebem isso. Sentem o cheiro do campo e isso é muito agradável. Estou muito satisfeito com as reações dos visitantes porque vejo o seu ar de felicidade e encantamento que é bem visível nos seus rostos quando escutam as peças musicais. E isso faz-me sentir recompensado. Temos centenas de testemunhos dos nossos visitantes no livro de receção que está na entrada do museu.

 

O MUSEU

 

O museu, com a área de 1.020 m2, consiste numa caixa totalmente fechada, que pretende estabelecer um certo paralelismo com uma caixa de música. O alçado principal apresenta uma concavidade que traz à memória as campânulas dos fonógrafos e dos gramofones e assinala a entrada do edifício. O visitante terá então a oportunidade de entrar nessa grande “caixa de música”, viajar no tempo, explorar e ouvir com grande curiosidade centenas de instrumentos mecânicos, distribuídos por cinco galerias expositivas, dispostas em redor de um pátio central. Uma escadaria e o elevador conduzem-nos à sala documental, ao auditório com 70 lugares ou à sala multiusos. O arquiteto Miguel Marcelino é o autor do projeto.

 

A COLEÇÃO

 

É constituída por mais de 600 peças que se movimentam por sistemas exclusivamente mecânicos, e abrangem fundamentalmente o período de finais do Séc. XIX até à década de 30 do Séc. XX, todas em estado de funcionamento. Trata-se de uma coleção particular, reunida ao longo de uma vida e representativa de toda a música mecânica. As diversas tipologias distribuem-se pelos mais variados instrumentos, desde as mais antigas caixas de música de cilindro de madeira ou de metal às mais recentes e populares grafonolas. É um privilégio podermos ver, ouvir e sentir peças centenárias que poderemos interpretar como um sinal da vida do homem através dos tempos, a expressão da sua cultura, a manifestação livre do seu poder criador.

 

MISSÃO

 

O Museu da Música Mecânica tem como missão o estudo, preservação, valorização, divulgação e fruição de uma coleção particular representativa da música mecânica, decorrente sobretudo entre os finais do séc. XIX até à década de 30 do séc. XX.

 

Luís Cangueiro nasce em Prado Gatão, concelho de Miranda do Douro. Faz os estudos secundários em Bragança, e em 1962 ingressa na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra onde obtém a licenciatura em Filologia Clássica. É um dos fundadores da Secção Fotográfica da Associação Académica, preside ao Coral da Faculdade de Letras e integra a Comissão da Queima das Fitas. Cumpre o serviço militar em Mafra, Santarém e Moçambique, para onde é mobilizado em 1969 como alferes de cavalaria. Inicia a atividade profissional em 1971 como professor do Liceu Nacional de Bragança que acumula com as funções de diretor da residência de estudantes Calouste Gulbenkian. Em 1977 é nomeado professor efetivo na Escola Emídio Navarro em Almada. Envereda pela via empresarial a partir de 1988.

 

 

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